sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O que mais estranho em mim, desde que soube da morte do meu filho, é esta secura de alma, esta resistência surda, esta renúncia a tudo, como se para tanto não fosse preciso a coragen que nunca tive.
Lembro-me vagamente de fazer a mala do meu marido e de lhe dizer
Vai!
Sem ansiedade, sem raiva, sem emoção. Apenas Vai! como se fosse uma viagem, como se, tantas vezes aconteceu, ele partisse e eu ficasse. Como se lhe dissesse:
A minha bênção para as tuas amantes porcas, os teus amigos embriagados e as noitas prevertidas.
Lembro-me de o ter visto vacilar, indeciso como sempre, aquele cheiro a tabaco impregnado nas camisas, misturado com o doce perfume de mulher. Lembro-me de o ter ouvido um
porquê agora,
ou talvez tivesse sido apenas um simples e único
Porquê,
e lembro-me de nada dizer, estava tudo dito, depois de vinte e oito anos a nossa vida resumia-se a uma pequena palavrinha:
Vai!
E ele foi, num gesto incrédulo de criança que enfrenta a escola pela primeira vez, e eu senti-me aliviada. Seca, mas profundamente aliviada. Comigo estou, afinal, como devo estar. Como já há muito, deveria estar. Ruminando esta raiva, alimentada a ódio por esta minha Pátria assassina.
Orgulho...
Que orgulho pode uma mãe ter pela morte de um filho? Só porque militares fardados lhe chegam à porta e lhe dizem que o filho morreu pela pátria?
Raios os partam a todos mais a Pátria que o levou!
A minha vida sempre foi um teatro de sombras, de falsidades, de fingimentos. Amar a Pátria, cantar o hino, rezar em Fátima, casar e servir. Sempre, e acima de tudo, servir. Servir a Deus, servir o marido, servir o filho, a Pátria, quem nos ama e quem não nos ama, servir na cozinha, servir na cama, na lida da casa e ter orgulho nisso, ter orgulho em ter uma serva que nunca questiona porque serve. Servir de joelhos ou de perna aberta. Servir os que de mim se servem...

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