quarta-feira, 30 de novembro de 2011

O chinês alto e façanhudo que parece desconfortável dentro do seu blazer de cor indefinida, agarra-se quase em desespero  às cordas da Fender para disfarçar o embaraço, lançando-se numa imitação  razoável de Elton John em "Candle in the Wind" versão "Diana post-morten". Há quem o ignore. Casais incompatíveis debruçam-se sobre mesas pequenas e redondas nas quais os copos de whisky repartem  o espaço com cinzeiros e pires de aperitivos. As cabeças quase tocam umas nas outras.  Talvez façam juras de amor eterno, mas duvido. É mais provável que combinem friamente as verbas das transações. A rapariguinha magra de olhos enormes e reluzentes olha-me enquanto ouve, ou finge escutar, as palavras em catadupa do velho de dentes amarelecidos que tem a gola da camisa suja de suor. Que lhe dará em troca de dinheiro?  Carinho não, certamente. Tempo, quanto muito. E, afinal, o nosso tempo vale assim tanto que haja sempre alguém que esteja disposto a pagar-nos por ele? Ela não se pergunta, porque está abstracta, de olhos vagos, oblíquos, luminosos. Pergunto-me eu. "You've lived your life like a candle in the wind...". Há quem esteja atento. A cerveja morrendo no copo, o corpo amolecido encostado a uma coluna, a cabeça pendendo de quando em vez. Ou talvez ninguém esteja atento, afinal. Distracção a minha. Talvez o único atento seja o chinês desconfortável dedilhando a Fender sem paixão, só com embaraço. Um gordo de óculos embirra com o porteiro do bar e espeta-lhe o indicador em riste, perigosamente apontando a narizes sentados. Lá fora, na rua, raparigas caminham para lá e para cá, passinhos de bailarina a deslizarem na procura de pescar clientes com relances e sem palavras. Entre o alcóol e a música, os olhos perderam o brilho. Pareceu-me que tinha lido neles alguma coisa. Mas não. Perdi-me apenas nos erros de ortografia das incompreensíveis páginas da noite.